De novo preso no sortilégio da cultura regional, retomamos o percurso dos lugares de história, de lutas, de fascínio, de sonhos… Como é o caso do Castelo que se destaca no panorama do património edificado de Almada. Uma terra de gentes em que, na memória ou lembrança do que delas ficou, se redescobre um tempo na história de ontem e de hoje. Na verdade, a história do Castelo perde-se na noite dos tempos, no desfiar dos séculos.
O sítio do Castelo, também designado de Fortaleza ou Forte de Almada, implantado no alto de um monte sobranceiro ao Tejo, conheceu a presença humana, desde os tempos mais remotos. Por esta margem passaram os mais diversos povos que se sedentarizaram ou trocaram as suas experiências e mercadorias. Fenícios, romanos, muçulmanos são algumas das antigas comunidades que entraram neste promontório. A estruturação inicial do primitivo núcleo urbano deve ter ocorrido, senão antes, no período da ocupação islâmica na Península Ibérica, quando os muçulmanos escolheram também este local para construir, (ou reconstruir, presumivelmente, a partir de um edificado defensivo da época romana), uma fortaleza (“hosnel-Madan”, fortaleza “da mina” referida por al-Edrisi), destinada à defesa e vigilância. Para mais, o próprio topónimo “Almada” atesta bem a presença e o domínio muçulmano, como se depreende de várias crónicas, como a «Geografia Nubiense», do geógrafo Muhammad al-Edrisi. “Almada”, em língua árabe, significa, de ponto de vista etimológico, “mina de ouro ou de prata», onde neste, o ouro era colhido nas margens do Tejo.
Conquistada, pois, a importante cidade de Lisboa, após dezassete semanas de cerco pelas forças de D. Afonso Henriques, com a ajuda dos cruzados em 1147, os mouros de Sintra entregaram o Castelo e sua guarnição ao rei. Por sua vez, na margem sul do Tejo, Almada já se encontrava rendida, após uma recente expedição militar levada a cabo por trinta cavaleiros e uma centena de peões, sob o comando de Saério de Archallle (um dos quatro condestáveis que comandavam o contingente inglês e normando, a caminho da «Terra Santa»). Desde o ano de 1147, até finais do século XII, os acontecimentos desse passado foram praticamente esquecidos. Uns foram “desenterrados” através de documentos antigos, como a “Carta de Segurança” de 1170, dado por D. Afonso Henriques aos mouros forros de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer-do-Sal, ou o Foral de Almada de 1190, dado por D. Sancho I, outros são de impossível de reconstituição, pois morreram com as pessoas que os praticaram. Da pouca documentação existente na época, com referências ao Castelo de Almada e sua guarnição, é de destacar o introito do Foral de 1190, que nos conduz ao conhecimento da vida dos moradores na vila e termo de Almada: (…)«Eu Dom Sancho, pela divina vontade, Rei de Portugal, conquistei (aos sarracenos), à custa de grandes trabalhos… o castelo de Almada (e restitui-o ao culto de Deus, entregando-o depois a vós) meus homens e meus vassalos e meus (criados)…».
Neste período de formação e organização de Portugal, ocorrem diversas incursões militares muçulmanas, como a grande invasão almóada, levada a cabo em 1191, sob o comando de Abu Yusuf al-Mansur. Depois de cercar e tomar Alcácer-do-Sal em junho daquele ano, marchou sobre os castelos de Palmela e Almada, que os cavaleiros da Ordem Militar de Santiago abandonaram, e o califa mandou destruir. Crê-se que o repovoamento cristão ocorresse antes da data em que D. Sancho I deu foral a Sesimbra, isto é, antes de 1201, pois a existência de um castelo e um município cristão nesse lugar faz supor a restauração anterior de Almada, situada mais a Norte, e em frente a Lisboa.
As obras de reconstrução do Castelo, levadas a cabo ainda no reinado de D. Sancho I, prolongam-se pela Idade Média, nomeadamente nos reinados de D. Dinis e D. Fernando. Durante a revolução ou crise de 1383-1385, aquando do cerco de Lisboa, o castelo de Almada resiste a duros e difíceis martírios suportados pelos habitantes sitiados pelos castelhanos, sob o comando do rei de Castela, até à rendição em meados de 1384, com o acordo do Mestre de Avis, conforme a descrição do cronista Fernão Lopes na «Crónica do Rei D. João I». A rendição não se deveu à fortificação inatacável, mas sim à insuficiência da reserva de água. No século XV, o Castelo entra em estado de abandono, para nos séculos XVI e XVII vir a sofrer transformações, tendo em conta a adaptação às novas estratégias militares. Assim, na época de D. Manuel decorrem obras de ampliação do Castelo, com o reforço de uma torre no sector sul da muralha.
O Castelo volta a sofrer alterações através de várias reconstruções, entre as quais, em 1666 (reinado de D Afonso VI), com a ampliação em 1670. Segundo uma gravura extraída do livro «Les Travaux de Mars, ou l`Art de la Guerre», por Menessont Mallet, T. I, 1685, pode-se observar a grandiosidade das muralhas, incluindo a torre de menagem. Profundamente danificado com o Terramoto de 1755, todo o conjunto do Forte é sujeito a profundas obras de reparação, em 1797, com o apoio da comunidade local, sob o projecto de Francisco d`Alincourt. Infelizmente, a Igreja de Santa Maria do Castelo, totalmente arruinada, nunca mais foi reconstruída, apesar da existência do projecto da “Igreja do Castelo” (1772), assinado pelo arquitecto Manuel Caetano de Sousa. Na época da Guerra Peninsular, assiste-se a várias obras de fortificação, não só da Linha de Defesa da Margem Sul, como também do Castelo de Almada, em 1810-1811, levadas a cabo pela engenharia inglesa, ordenadas pelo general Wellesly e efectuadas por militares ingleses, o engenheiro Goldfich e o tenente-coronel Richard Fletcher, incluindo o major Neves Costa. Desactivado em 1825, o Castelo é apetrechado por tropas durante a “Guerra Civil”, em 1833, por iniciativa de D. Miguel. Em 23 de Julho deste último ano, é alcançada a vitória dos liberais na batalha da Cova da Piedade-Cacilhas, da qual resultou, no dia seguinte, a rendição da guarnição miguelista no Castelo.
Nas gravuras, das décadas de 1830-40, como a estampa (água-forte) da autoria de Batty, gravada por William Miller (1830), ainda se observam a robustez das muralhas, vendo-se a casa do governador, mas já sem a torre de menagem. Mais tarde, o Castelo volta a ser objecto de reparações no âmbito do Plano da Defesa de Lisboa e do seu porto, do Marquês de Sá Bandeira, passando a ter a função de praça principal na coordenação de várias baterias da Linha de Defesa da Margem Sul do Tejo.
Nas vésperas da implantação do regime republicano em Portugal, viveram-se actos de expectativa revolucionária em Almada, a 4 de Outubro de 1910, como a vigilância às forças militarizadas estacionadas na vila. Existia um pequeno destacamento de artilharia no Forte de Almada. Depois de proclamada a República nos Paços do Concelho, os almadenses republicanos, Manuel Parada e Raimundo José Moreira, dirigiram-se ao Forte para conferenciarem com João Baptista Henriques, então tenente almoxarife, para que fosse içada a bandeira verde-rubra no mastro do Forte, ao som da “Portuguesa”, entre entusiásticos e comoventes vivas à Pátria e à República. Poucos anos depois, quando surgiu a Gripe Pneumónica em Portugal, em 1918, as dependências do Forte serviram como um hospital de campanha, onde se desenvolveu importante acção humanitária, graças à qual muitos almadenses ficaram devendo a vida.
Em 8 de Setembro de 1936, em conjunto com o Forte do Alto do Duque, do Forte de Almada abriu-se fogo sobre os navios que tomaram parte na “Revolta dos Marinheiros”. Nos princípios da década de 1940, o castelo, aquartelado com o Destacamento Misto do Forte de Almada, foi sujeito a obras de construção que, infelizmente, descaracterizaram o monumento histórico.
Durante a época da 2.ª Guerra Mundial (1939-1945),o Forte estava guarnecido de tropas de artilharia até à Revolução de 25 de Abril de 1974, tendo a guarnição aderido, no mesmo dia, ao movimento das Forças Armadas. Depois do 25 de Abril, os militares mantiveram-se do lado da esquerda face ao golpe militar de 25 de Novembro, tendo sido das últimas unidades a render-se.
Após 1976, as instalações do Forte passaram a ser ocupadas por forças da Guarda Nacional Republicana, tendo sido empreendidas obras de adaptação para o efeito.
Em suma, o actual Forte de Almada está edificado sobre sucessivas construções que devem remontar, senão antes, até à primitiva fortificação de origem árabe. Situado à beira da arriba, a fortaleza era inatacável pelo lado que dá para o rio Tejo e constituía uma excelente defesa, pelo lado da terra.
****
O pitoresco Jardim do Castelo, com o seu arvoredo oitocentista, inaugurado em 1868, tem sido um dos principais núcleos de lazer no quotidiano da vida da comunidade almadense. Ocupando parte do espaço envolvente da fortificação, o Jardim possui um miradouro, do qual se observam soberbas panorâmicas sobre o rio Tejo e a cidade de Lisboa. Daqui podemos contemplar as magnificas vistas sobre a Torre de Belém, a Ponte 25 de Abril, o Parque Florestal de Monsanto, a Praça do Comércio e a Ponte Vasco da Gama. E, ainda, parte do centro histórico da cidade de Almada, como a Casa da Cerca, o Cristo-Rei, a Igreja de Santiago e o Forte.
Quem não se lembra de ter assistido ou ouvido falar nas famosas festas joaninas que, nas tardes e noites de 23, 24 e 25 de Junho, abriam-se as quermesses, as barracas de comes e bebes e tinham começo os arraiais no Jardim do Castelo, o qual se encontrava profusamente iluminado e decorado. Estas festas em honra a S. João, outrora grandiosas, eram atraídas, não só pela população do concelho de Almada, como também pelos forasteiros da capital e dos concelhos vizinhos. Para além dos festejos realizados em Almada e na Ramalha, o Jardim do Castelo era e ainda continua a ser um dos locais revestidos de franco convívio, com alegria e diversão. As bandas filarmónicas da “Incrível Almadense” e da “Academia Almadense” costumavam tocar no coreto, em anos alternativos, devido à grande rivalidade outrora existente entre as respectivas colectividades de cultura e recreio. Havia anos que os festejos eram também abrilhantados com bandas filarmónicas de fora. As pessoas passeavam junto ao Castelo, como “passeio público”, no Jardim e em volta do coreto, ampliado em meados da década de 1930, onde de vez em quando se dançava uma valsa, uma mazurca ou uma polca, em tempos recuados. Eram tempos de solidariedade entre famílias e vizinhos locais. Tempos em que a comunidade assentava em relações familiares e de vizinhança.
Alexandre M. Flores
Historiador e Autor
Referências bibliográficas:
Alexandre M. Flores - «Almada, sua circunscrição municipal», Almada: Edição de Autor, 1996 // Idem - «Almada e a Revolução de 1383-85 na crónica de D. João I, de Fernão Lopes», Almada: Biblioteca Municipal da CMA, 1984 // Idem - «Almada Antiga e Moderna – Roteiro Iconográfico – I. Freguesia de Almada», 1.º vol., Almada: CMA, 1985 // Idem - «A Pneumónica em Almada (1918-1919)»,in “O Pharol”, n.º 43, Novembro de 2020, pp. 4-7 // Alexandre M. Flores e Antóno J. Nabais - «Os Forais de Almada e seu Termo», Câmaras Municipais de Almada e Seixal, 1983 // Alexandre M. Flores e António Policarpo - «Proclamação da República em Almada», Almada: CMA, 2011 // «Lisboa, Almada e outras terras vizinhas, há 873 anos, tomadas aos Mouros…», in https://www.facebook.com/alexandre.flores.7355 // «Almada e suas tradições: a S. Joâo em Almada», in https://ww.facebook.com/alexandre.flores.7355 // António Henriques - «A Incrível no limiar dos 150 anos», 8 vols., Almada: Incrível Almadense, 1991-1998 // António Policarpo - «Memórias da nossa terra e da nossa gente», Almada: JF, 2005 // Fernão Lopes - «Crónica del Rei Dom João I de boa memória(…)», reprod. fac-similada da edição do AHP de 1915 preparada por Anselmo Braamcamp Freire, Lisboa: Imprensa nacional-Casa da Moeda, 1977 // Francisco Manuel Valadares e Silva (coord.) - «Almada e o Tejo: itinerários», Almada: Centro de Arqueologia, 1999 // João de Sousa - «Vestígios da língua arábica em Portugal(…)», anotada por Fr. José de Santo António Moura, Lisboa: Academia Real das Ciências, 1890 // Jorge Raposo - «1383-1385: e em Almada como foi?», in “Al-madan”, do Centro de Arqueologia de Almada, Maio-Novembro de 1984, pp. 13-19 // José Matoso - «Almada no Tempo de D. Sancho I», Almada: CMA, 1991 // José Pedro Machado - «O Topónimo de Almada», in “Anais de Almada”, da Divisão de História Local e Arquivo Histórico, n.º 3, 2000, pp. 11-16 // Mário Fernandes - «A Igreja de N. Sra. Da Assunção(…)», in “Al-madan”, do Centro de Arqueologia de Almada, 2.ª séria, n.º 2, 1993, pp. 111-115 // Marquês Sá da Bandeira - «Memória sobre as fortificações de Lisboa», Lisboa: Imprensa Nacional, 1866 // R. H. Pereira de Sousa - «Igreja de Sta. Maria do castelo: um monumento desaparecido», in “Al-madan”, do Centro de Arqueologia de Almada, Maio-Novembro de 1984, pp. 21-24 // Idem - «Fortalezas de Almada e seu Termo», Almada: AHCMA, 1981 // Romeu Correia - «Homens e Mulheres vinculadas às terras de Almada(…)», Almada: CMA, 1978 // Rui M. Mesquita Mendes - «Obras Públicas nos concelhos de Almada e Seixal (1640-1910), in “Actas do 2.º Encontro sobre o Património de Almada e Seixal”, Centro de Arqueologia de Almada, 2015, pp. 85-106 // Idem - «Património Religioso de Almada e Seixal (…), in revista cultural “Anais de Almada”, da Divisão de História Local e Arquivo Histórico da CMA, n.ºs 11 e 12. 2008-2009, pp. 67-138.
De novo preso no sortilégio da cultura regional, retomamos o percurso dos lugares de história, de lutas, de fascínio, de sonhos… Como é o caso do Castelo que se destaca no panorama do património edificado de Almada. Uma terra de gentes em que, na memória ou lembrança do que delas ficou, se redescobre um tempo na história de ontem e de hoje. Na verdade, a história do Castelo perde-se na noite dos tempos, no desfiar dos séculos.
O sítio do Castelo, também designado de Fortaleza ou Forte de Almada, implantado no alto de um monte sobranceiro ao Tejo, conheceu a presença humana, desde os tempos mais remotos. Por esta margem passaram os mais diversos povos que se sedentarizaram ou trocaram as suas experiências e mercadorias. Fenícios, romanos, muçulmanos são algumas das antigas comunidades que entraram neste promontório. A estruturação inicial do primitivo núcleo urbano deve ter ocorrido, senão antes, no período da ocupação islâmica na Península Ibérica, quando os muçulmanos escolheram também este local para construir, (ou reconstruir, presumivelmente, a partir de um edificado defensivo da época romana), uma fortaleza (“hosnel-Madan”, fortaleza “da mina” referida por al-Edrisi), destinada à defesa e vigilância. Para mais, o próprio topónimo “Almada” atesta bem a presença e o domínio muçulmano, como se depreende de várias crónicas, como a «Geografia Nubiense», do geógrafo Muhammad al-Edrisi. “Almada”, em língua árabe, significa, de ponto de vista etimológico, “mina de ouro ou de prata», onde neste, o ouro era colhido nas margens do Tejo.
Conquistada, pois, a importante cidade de Lisboa, após dezassete semanas de cerco pelas forças de D. Afonso Henriques, com a ajuda dos cruzados em 1147, os mouros de Sintra entregaram o Castelo e sua guarnição ao rei. Por sua vez, na margem sul do Tejo, Almada já se encontrava rendida, após uma recente expedição militar levada a cabo por trinta cavaleiros e uma centena de peões, sob o comando de Saério de Archallle (um dos quatro condestáveis que comandavam o contingente inglês e normando, a caminho da «Terra Santa»). Desde o ano de 1147, até finais do século XII, os acontecimentos desse passado foram praticamente esquecidos. Uns foram “desenterrados” através de documentos antigos, como a “Carta de Segurança” de 1170, dado por D. Afonso Henriques aos mouros forros de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer-do-Sal, ou o Foral de Almada de 1190, dado por D. Sancho I, outros são de impossível de reconstituição, pois morreram com as pessoas que os praticaram. Da pouca documentação existente na época, com referências ao Castelo de Almada e sua guarnição, é de destacar o introito do Foral de 1190, que nos conduz ao conhecimento da vida dos moradores na vila e termo de Almada: (…)«Eu Dom Sancho, pela divina vontade, Rei de Portugal, conquistei (aos sarracenos), à custa de grandes trabalhos… o castelo de Almada (e restitui-o ao culto de Deus, entregando-o depois a vós) meus homens e meus vassalos e meus (criados)…».
Neste período de formação e organização de Portugal, ocorrem diversas incursões militares muçulmanas, como a grande invasão almóada, levada a cabo em 1191, sob o comando de Abu Yusuf al-Mansur. Depois de cercar e tomar Alcácer-do-Sal em junho daquele ano, marchou sobre os castelos de Palmela e Almada, que os cavaleiros da Ordem Militar de Santiago abandonaram, e o califa mandou destruir. Crê-se que o repovoamento cristão ocorresse antes da data em que D. Sancho I deu foral a Sesimbra, isto é, antes de 1201, pois a existência de um castelo e um município cristão nesse lugar faz supor a restauração anterior de Almada, situada mais a Norte, e em frente a Lisboa.
As obras de reconstrução do Castelo, levadas a cabo ainda no reinado de D. Sancho I, prolongam-se pela Idade Média, nomeadamente nos reinados de D. Dinis e D. Fernando. Durante a revolução ou crise de 1383-1385, aquando do cerco de Lisboa, o castelo de Almada resiste a duros e difíceis martírios suportados pelos habitantes sitiados pelos castelhanos, sob o comando do rei de Castela, até à rendição em meados de 1384, com o acordo do Mestre de Avis, conforme a descrição do cronista Fernão Lopes na «Crónica do Rei D. João I». A rendição não se deveu à fortificação inatacável, mas sim à insuficiência da reserva de água. No século XV, o Castelo entra em estado de abandono, para nos séculos XVI e XVII vir a sofrer transformações, tendo em conta a adaptação às novas estratégias militares. Assim, na época de D. Manuel decorrem obras de ampliação do Castelo, com o reforço de uma torre no sector sul da muralha.
O Castelo volta a sofrer alterações através de várias reconstruções, entre as quais, em 1666 (reinado de D Afonso VI), com a ampliação em 1670. Segundo uma gravura extraída do livro «Les Travaux de Mars, ou l`Art de la Guerre», por Menessont Mallet, T. I, 1685, pode-se observar a grandiosidade das muralhas, incluindo a torre de menagem. Profundamente danificado com o Terramoto de 1755, todo o conjunto do Forte é sujeito a profundas obras de reparação, em 1797, com o apoio da comunidade local, sob o projecto de Francisco d`Alincourt. Infelizmente, a Igreja de Santa Maria do Castelo, totalmente arruinada, nunca mais foi reconstruída, apesar da existência do projecto da “Igreja do Castelo” (1772), assinado pelo arquitecto Manuel Caetano de Sousa. Na época da Guerra Peninsular, assiste-se a várias obras de fortificação, não só da Linha de Defesa da Margem Sul, como também do Castelo de Almada, em 1810-1811, levadas a cabo pela engenharia inglesa, ordenadas pelo general Wellesly e efectuadas por militares ingleses, o engenheiro Goldfich e o tenente-coronel Richard Fletcher, incluindo o major Neves Costa. Desactivado em 1825, o Castelo é apetrechado por tropas durante a “Guerra Civil”, em 1833, por iniciativa de D. Miguel. Em 23 de Julho deste último ano, é alcançada a vitória dos liberais na batalha da Cova da Piedade-Cacilhas, da qual resultou, no dia seguinte, a rendição da guarnição miguelista no Castelo.
Nas gravuras, das décadas de 1830-40, como a estampa (água-forte) da autoria de Batty, gravada por William Miller (1830), ainda se observam a robustez das muralhas, vendo-se a casa do governador, mas já sem a torre de menagem. Mais tarde, o Castelo volta a ser objecto de reparações no âmbito do Plano da Defesa de Lisboa e do seu porto, do Marquês de Sá Bandeira, passando a ter a função de praça principal na coordenação de várias baterias da Linha de Defesa da Margem Sul do Tejo.
Nas vésperas da implantação do regime republicano em Portugal, viveram-se actos de expectativa revolucionária em Almada, a 4 de Outubro de 1910, como a vigilância às forças militarizadas estacionadas na vila. Existia um pequeno destacamento de artilharia no Forte de Almada. Depois de proclamada a República nos Paços do Concelho, os almadenses republicanos, Manuel Parada e Raimundo José Moreira, dirigiram-se ao Forte para conferenciarem com João Baptista Henriques, então tenente almoxarife, para que fosse içada a bandeira verde-rubra no mastro do Forte, ao som da “Portuguesa”, entre entusiásticos e comoventes vivas à Pátria e à República. Poucos anos depois, quando surgiu a Gripe Pneumónica em Portugal, em 1918, as dependências do Forte serviram como um hospital de campanha, onde se desenvolveu importante acção humanitária, graças à qual muitos almadenses ficaram devendo a vida.
Em 8 de Setembro de 1936, em conjunto com o Forte do Alto do Duque, do Forte de Almada abriu-se fogo sobre os navios que tomaram parte na “Revolta dos Marinheiros”. Nos princípios da década de 1940, o castelo, aquartelado com o Destacamento Misto do Forte de Almada, foi sujeito a obras de construção que, infelizmente, descaracterizaram o monumento histórico.
Durante a época da 2.ª Guerra Mundial (1939-1945),o Forte estava guarnecido de tropas de artilharia até à Revolução de 25 de Abril de 1974, tendo a guarnição aderido, no mesmo dia, ao movimento das Forças Armadas. Depois do 25 de Abril, os militares mantiveram-se do lado da esquerda face ao golpe militar de 25 de Novembro, tendo sido das últimas unidades a render-se.
Após 1976, as instalações do Forte passaram a ser ocupadas por forças da Guarda Nacional Republicana, tendo sido empreendidas obras de adaptação para o efeito.
Em suma, o actual Forte de Almada está edificado sobre sucessivas construções que devem remontar, senão antes, até à primitiva fortificação de origem árabe. Situado à beira da arriba, a fortaleza era inatacável pelo lado que dá para o rio Tejo e constituía uma excelente defesa, pelo lado da terra.
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O pitoresco Jardim do Castelo, com o seu arvoredo oitocentista, inaugurado em 1868, tem sido um dos principais núcleos de lazer no quotidiano da vida da comunidade almadense. Ocupando parte do espaço envolvente da fortificação, o Jardim possui um miradouro, do qual se observam soberbas panorâmicas sobre o rio Tejo e a cidade de Lisboa. Daqui podemos contemplar as magnificas vistas sobre a Torre de Belém, a Ponte 25 de Abril, o Parque Florestal de Monsanto, a Praça do Comércio e a Ponte Vasco da Gama. E, ainda, parte do centro histórico da cidade de Almada, como a Casa da Cerca, o Cristo-Rei, a Igreja de Santiago e o Forte.
Quem não se lembra de ter assistido ou ouvido falar nas famosas festas joaninas que, nas tardes e noites de 23, 24 e 25 de Junho, abriam-se as quermesses, as barracas de comes e bebes e tinham começo os arraiais no Jardim do Castelo, o qual se encontrava profusamente iluminado e decorado. Estas festas em honra a S. João, outrora grandiosas, eram atraídas, não só pela população do concelho de Almada, como também pelos forasteiros da capital e dos concelhos vizinhos. Para além dos festejos realizados em Almada e na Ramalha, o Jardim do Castelo era e ainda continua a ser um dos locais revestidos de franco convívio, com alegria e diversão. As bandas filarmónicas da “Incrível Almadense” e da “Academia Almadense” costumavam tocar no coreto, em anos alternativos, devido à grande rivalidade outrora existente entre as respectivas colectividades de cultura e recreio. Havia anos que os festejos eram também abrilhantados com bandas filarmónicas de fora. As pessoas passeavam junto ao Castelo, como “passeio público”, no Jardim e em volta do coreto, ampliado em meados da década de 1930, onde de vez em quando se dançava uma valsa, uma mazurca ou uma polca, em tempos recuados. Eram tempos de solidariedade entre famílias e vizinhos locais. Tempos em que a comunidade assentava em relações familiares e de vizinhança.
Referências bibliográficas:
Alexandre M. Flores - «Almada, sua circunscrição municipal», Almada: Edição de Autor, 1996 // Idem - «Almada e a Revolução de 1383-85 na crónica de D. João I, de Fernão Lopes», Almada: Biblioteca Municipal da CMA, 1984 // Idem - «Almada Antiga e Moderna – Roteiro Iconográfico – I. Freguesia de Almada», 1.º vol., Almada: CMA, 1985 // Idem - «A Pneumónica em Almada (1918-1919)»,in “O Pharol”, n.º 43, Novembro de 2020, pp. 4-7 // Alexandre M. Flores e Antóno J. Nabais - «Os Forais de Almada e seu Termo», Câmaras Municipais de Almada e Seixal, 1983 // Alexandre M. Flores e António Policarpo - «Proclamação da República em Almada», Almada: CMA, 2011 // «Lisboa, Almada e outras terras vizinhas, há 873 anos, tomadas aos Mouros…», in https://www.facebook.com/alexandre.flores.7355 // «Almada e suas tradições: a S. Joâo em Almada», in https://ww.facebook.com/alexandre.flores.7355 // António Henriques - «A Incrível no limiar dos 150 anos», 8 vols., Almada: Incrível Almadense, 1991-1998 // António Policarpo - «Memórias da nossa terra e da nossa gente», Almada: JF, 2005 // Fernão Lopes - «Crónica del Rei Dom João I de boa memória(…)», reprod. fac-similada da edição do AHP de 1915 preparada por Anselmo Braamcamp Freire, Lisboa: Imprensa nacional-Casa da Moeda, 1977 // Francisco Manuel Valadares e Silva (coord.) - «Almada e o Tejo: itinerários», Almada: Centro de Arqueologia, 1999 // João de Sousa - «Vestígios da língua arábica em Portugal(…)», anotada por Fr. José de Santo António Moura, Lisboa: Academia Real das Ciências, 1890 // Jorge Raposo - «1383-1385: e em Almada como foi?», in “Al-madan”, do Centro de Arqueologia de Almada, Maio-Novembro de 1984, pp. 13-19 // José Matoso - «Almada no Tempo de D. Sancho I», Almada: CMA, 1991 // José Pedro Machado - «O Topónimo de Almada», in “Anais de Almada”, da Divisão de História Local e Arquivo Histórico, n.º 3, 2000, pp. 11-16 // Mário Fernandes - «A Igreja de N. Sra. Da Assunção(…)», in “Al-madan”, do Centro de Arqueologia de Almada, 2.ª séria, n.º 2, 1993, pp. 111-115 // Marquês Sá da Bandeira - «Memória sobre as fortificações de Lisboa», Lisboa: Imprensa Nacional, 1866 // R. H. Pereira de Sousa - «Igreja de Sta. Maria do castelo: um monumento desaparecido», in “Al-madan”, do Centro de Arqueologia de Almada, Maio-Novembro de 1984, pp. 21-24 // Idem - «Fortalezas de Almada e seu Termo», Almada: AHCMA, 1981 // Romeu Correia - «Homens e Mulheres vinculadas às terras de Almada(…)», Almada: CMA, 1978 // Rui M. Mesquita Mendes - «Obras Públicas nos concelhos de Almada e Seixal (1640-1910), in “Actas do 2.º Encontro sobre o Património de Almada e Seixal”, Centro de Arqueologia de Almada, 2015, pp. 85-106 // Idem - «Património Religioso de Almada e Seixal (…), in revista cultural “Anais de Almada”, da Divisão de História Local e Arquivo Histórico da CMA, n.ºs 11 e 12. 2008-2009, pp. 67-138.
Aspecto do Jardim do Castelo, vendo-se o coreto, representado na forma mais antiga. Início do século XX. Postal, col. A. Flores.