Paços do Concelho - Um edifício com história e memórias

Paços do Concelho ou Casa da Câmara Municipal, sede do poder concelhio, é um edifício onde a função e a arte se cruzam com o Património. Uma presença monumental de quem muito se orgulham os almadenses.

O processo da construção do novo edifício camarário (1) conheceu avanços e recuos administrativos, desde 1767 até à decisão final do assentamento da obra, em 1783. Na sequência dos efeitos do Terramoto de 1755, viviam-se, então, tempos difíceis na comunidade. Muitos edifícios ainda continuavam em ruínas, com sucedeu com a anterior casa da Câmara, situada nas traseiras da Igreja de Santiago, (local conhecido por «largo da Câmara», junto à Rua da Lage, actual Rua Rodrigo de Freitas), que ficou totalmente destruída. Também as casas, sem função camarária, encostadas à Igreja da Misericórdia, estavam completamente arruinadas.

Em 1767, aparecem os primeiros pedidos dos “oficiais da Câmara” a solicitarem obras ao “provedor da comarca em corregedoria”, para nova edificação dos Paços do Concelho. Além dos vereadores, do procurador e de outros oficiais, importa referir a pertinência do “juiz de fora da vila” (2) que, na época, pedia providências régias na resolução em várias carências sentidas no concelho, em face dos profundos estragos causados pelo  referido Terramoto de 1755, nomeadamente a construção da «câmara e casa de audiência, cadeia, açougue e outras obras públicas»(3).

De acordo com o processo constante no Desembargo do Paço, datado de 1768, o sargento-mor Mateus Vicente de Oliveira ao inspecionar a primeira planta, deparou com “vários defeitos e excessos” no risco da obra, acabando a mesma por ficar suspensa. Dois anos depois, a saga das obras da nova Câmara ainda estavam por resolver e, em 1775, pedia-se a “sua Majestade” para que fossem retomadas as obras da “câmara e cadeia nova”. Posteriormente, foi executada uma nova planta pelo engenheiro militar José Manuel Carvalho de Negreiros, filho do engenheiro Eugénio dos Santos Carvalho, um dos projectistas da cidade de Lisboa pombalina. Finalmente, foi dada ordem de assentamento daquela  planta e respectiva construção em 1781-83, sendo a mesma paga por mercê régia, com as “sobras do cofre das sisas” a que a fazenda real tinha direito na vila e termo de Almada (4). Para a data da inauguração do edifício tem sido considerada a inscrição no sino da “torre sineira”, com a data de 1795, na qual refere que o sino é uma oferta de D. Maria I, sendo então regente o príncipe D. João. Assim, a obra seria concluída na Praça Camões, servindo interinamente a residência arrendada do juiz de fora da vila (5).

No contexto arquitectónico, o edifício camarário, em estilo pós-pombalino, com uma planta em trapézio, compreende três pisos que se desenvolvem em torno da torre sineira, ligeiramente descentrada do corpo edificado.  No lado da fachada do edifício, além da porta de entrada do piso térreo, note-se a escadaria, à esquerda e à direita, que dá  acesso ao segundo piso, guarnecida por gradeamento, com dois patamares. A torre sineira, com o pitoresco cataventos, possui dois registos, o primeiro contém a maquinaria do relógio, com quatro mostradores visíveis em cada uma das faces da mesma, dispostas em aberturas circulares. Os vãos são moldurados em alvenaria. Na fachada, é de salientar o brasão real, sobrepujado à porta de acesso ao piso superior, assim como o remate das fachadas em cornija corrida e beiral. O interior do edifício possui espaços diferenciados nos vários pisos, com destaque para o “salão nobre” das sessões camarárias. A cobertura do telhado é de quatro águas, com sobeira, pátio e coruchéu.

Em frente dos Paços do concelho, na praça de Camões (6), encontrava-se o pelourinho da vila, infelizmente destruído em 1868. O empedrado e os bancos de ferro, que se vêm na imagem, terão sido colocados depois daquele ano. Este singelo empedrado, com árvores e candeeiros a petróleo, acabou por ser  removido por volta de 1945, talvez para melhorar o trânsito na entrada das ruas Henriques Nogueira, á esquerda, e rua D. José de Mascarenhas, à direita.

Ao longo dos anos, deparamos com espaços do edifício, onde funcionavam as sessões da Câmara, a cadeia, o tribunal judicial e outros serviços administrativos, cujas memórias ainda são recordadas por famílias antigas e residentes no centro histórico da terra. No primeiro piso, havia a cadeia para homens, conhecida por “enxovia” (que dava para a actual rua D. José de Mascarenhas), e para mulheres (para o lado do antigo largo dos Bombeiros  e rua Henriques Nogueira.  No segundo piso, havia outra cadeia para homens, conhecida por “sala”, também voltada para a Rua Henriques Nogueira. No sótão do edifício morou durante nas décadas de 1920-1940 o carcereiro Jerónimo Coelho e que tinha um subsídio para dar alimentação aos presos. As janelas com grades de ferro, voltadas para a rua D. José de Mascarenhas, faziam parte da antiga prisão para homens. Destas janelas, os presos utilizavam latinhas suspensas por fios. Por elas os presos recebiam moedas, tabaco…

Para quem nunca visitou a Câmara Municipal, aconselhamos a  visita ao centro histórico da cidade de Almada, para contemplar a singularidade do edifício pós-pombalino, com valor cultural, politico e patrimonial.

                                                                                                                       Alexandre Flores

                                                                                                                     Historiador e Autor

1 - Pormenor do postal ilustrado, c. 1900-1910. In «Almada Antiga e Moderna»,1.º vol., CMA, 1985, p.83.

2 - O juiz de fora, Dr. José Manuel da Cruz Mendes, foi uma figura pragmática na 2.ª metade do século XVIII, com destaque nas suas providências para a construção do edifício camarário, assim como na salvaguarda do espólio arquivístico da velha câmara. Teve a coragem, em nome das “justiças d`el-rei”, de ter dado ordem de prisão (na noite de 13.X.1769) a um padre e seis frades de Lisboa que se encontravam numa festa de anos na “casa das espingardeiras”, na vila de Almada. Cf. Alexandre Flores - «Carnaval em Almada», 1998, pp. 21-24.

3 - IAN-TT - «Ministério do Reino, Correspondência dos Juízes de Fora», Maço 367, cx.490.

4 - AHMA – Liv. De «Traslados de Demandas e Pleitos (1732-1830), fl. 23v.-24 //  IAN-TT - «Desembargo do Paço, Estremadura, Corte e Ilhas», Maço 2040, doc.1.  //  IAN-TT – Ministério do Reino, Maço 367, Est. 5.  //  Rui Mendes - «Obras Públicas nos concelhos de Almada e Seixal (1640-1910)», in «Actas do 2.º Encontro sobre o Património de Almada e Seixal», 2015, pp. 88 e 101  // e informações cedidas por Rui Mendes, a quem agradecemos.

5 - AHMA - «Tombos dos Bens do Concelho», Agosto de 1796.

6 - A designação «Praça de Camões» foi dada, em 1880, aquando das comemorações nacionais do tricentenário da morte de Luís de Camões.