História da Freguesia de Cacilhas

História da Freguesia de Cacilhas

Enquadramento

O território da atual freguesia de Cacilhas situa-se na margem esquerda do estuário do Tejo, no extremo Nordeste do concelho de Almada. O relevo é marcado pela arriba, que se levanta abruptamente virada a Norte e declina suavemente para Sul.

A ocupação humana, patente desde a Pré-História, foi favorecida pela posição defensiva no topo da arriba, pela situação ribeirinha e pela abundância de recursos naturais, como peixe e marisco, mas também ouro, que se recolhia nas margens do Tejo. Igualmente importante era a produção agrícola, desde cedo associada à vinha, aos figos e hortaliças, produtos frescos que eram facilmente escoados para o mercado da capital por transporte fluvial.

Pré e Proto-História

Os vestígios mais antigos da presença humana na zona remontam ao terceiro milénio aC e enquadram-se no Neolítico Final e Calcolítico (3,4 mil a 3 mil anos aC). No local mais elevado da freguesia, que corresponde ao topo da arriba, sítio designado como Quinta do Almaraz, foram identificados fragmentos de cerâmica, restos de alimentação, instrumentos de pedra e estruturas construídas de um povoado fortificado. A muralha, cercava o lado Sul, demonstra a importância deste núcleo urbano, que dominava a região.

Os recursos locais atraíram navegadores e comerciantes oriundos do Mediterrâneo, designadamente Feníncios, que aqui terão instalado uma feitoria, a julgar pela quantidade e qualidade do espólio identificado durante as campanhas de escavação arqueológica desenvolvidas no local. Associado a este sítio encontraram-se também vestígios de um cais da Idade do Ferro (séculos VII - VI aC) no Largo Alfredo Dinis. Estas trocas influenciaram culturalmente as comunidades indígenas, que passaram a fazer uso de tecnologias até então desconhecidas, como a roda de oleiro e a metalurgia do ferro.

Período Romano

A exploração dos recursos marinhos do estuário do Tejo está bem comprovada na época romana. Entre os séculos I e III existiram em Cacilhas fábricas de preparados de peixe, cujas estruturas foram descobertas no Largo Alfredo Dinis e na Rua Carvalho Freirinha. As escavações arqueológicas no Largo Alfredo Dinis permitiram identificar diversos tanques (cetárias) dispostos em torno de um pátio central e cobertos por um telheiro. A pesca e a laboração das fábricas necessitavam de mão de obra, o que implicaria a existência de um núcleo populacional. As conservas e molhos eram exportados para diversos locais do império romano.

Idade Média

Em 1147, um cruzado que acompanhou D. Afonso Henriques na reconquista de Lisboa aos mouros, escreveu uma carta que descreve esta região como extremamente fértil, rica em searas, vinhos, figos, romãs, mel e caça. Embora não refira especificamente Cacilhas, depreende-se que esta localidade seria já um ponto de apoio fluvial ao tráfego de pessoas e mercadorias entre as duas margens. As primeiras leis respeitantes à travessia fluvial entre Cacilhas e Lisboa são de 1284, mas mostram a necessidade das autoridades regularem uma atividade que existiria anteriormente e cujo crescimento obrigava ao estabelecimento de normas de funcionamento. Naquela data foi estipulado o preço do transporte fluvial entre Lisboa e Cacilhas para pessoas e animais, bem como outras regras, por exemplo, a proibição dos escravos atravessarem o Rio sem autorização dos seus senhores.

Como local de passagem, Cacilhas dispunha no período medieval de dois estabelecimento de apoio a viajantes e doentes: o Hospital ou Albergaria dos Palmeiros, fundado por peregrinos ingleses, e a gafaria de S. Lázaro, que acolhia os leprosos de uma vasta região a sul do Tejo. A essas instituições estavam ligadas as antigas capelas de Nossa Senhora de Palma e Nossa Senhora do Bom Sucesso, respetivamente.

Um dos episódios descrito por Fernão Lopes na Crónica de D. João I ficou conhecido como combate naval de Cacilhas. Em 18 de Julho de 1384, estando Lisboa cercada por castelhanos, uma frota de navios fieis ao Mestre de Avis (futuro D. João I), combate com cinco naus castelhanas ao largo de Cacilhas. Enquanto três naus portuguesas foram aprisionadas, as restantes conseguiram romper o cerco e chegar a Lisboa.

Idade Moderna

O Cais do Ginjal era um importante porto de mar, no qual as embarcações podiam entrar e sair em qualquer momento sem necessidade de esperar pela maré cheia, o que justificava a necessidade de defesa militar no local. Durante o reinado de D. Pedro II (1638-1705), foi reconstruído o Forte de Santa Luzia, edifício onde atualmente se encontra instalada a Guarda Nacional Republicana, fortificação que tinha como função a vigilância e proteção das entradas e saídas no cais.

O grande terramoto de 1 de Novembro de 1755 destruiu as ermidas medievais e marcou muito a tradição local, através do milagre segundo o qual um catraeiro (barqueiro) pegando na imagem da Virgem Maria foi ao encontro das águas que ameaçavam inundar a povoação fazendo-as recuar. O milagre é celebrado anualmente com a Procissão que sai da atual Igreja de Cacilhas (com a invocação de Nossa Senhora do Bom Sucesso) a qual foi reconstruída em 1759. A população de Cacilhas, na grande maioria ligada ao transporte fluvial entre as duas margens do Tejo e à construção naval, custeou essa obra.

Idade Contemporânea

Até ao século XIX o lugar de Cacilhas resumia-se à Rua Direita (atual Rua Cândido dos Reis), sendo a envolvente ocupada por quintas e casais agrícolas, no entanto, graças à situação geográfica favorável para abastecimento de matérias primas e escoamento dos produtos transformados, a partir de 1816 começaram a instalar-se ao longo da frente ribeirinha alguns armazéns, principalmente de vinhos, e oficinas ou fábricas, nomeadamente de tanoaria, têxteis, cortiça, construção naval, destilaria e conservas.

O incremento das instalações industriais levava frequentemente à eclosão de incêndios, o que terá contribuído para a criação de um corpo de bombeiros, fundado em 1890 com a designação de Associação de Beneficência Serviço Voluntário de Incêndios.

A construção da Ponte sobre o Tejo entre Lisboa e Almada desviou grande parte do tráfego de mercadorias, de fluvial para rodoviário, conduzindo à decadência e ao abandono da maioria dos armazéns e das indústrias aqui instaladas.

Entre 1967 e 2000 funcionou em Cacilhas a Lisnave, um dos maiores estaleiros europeus de reparação naval, que empregou milhares de trabalhadores. A sua construção obrigou a um enorme aterro e a instalação de docas secas transformou para sempre o ecossistema local.

Atualmente, Cacilhas vê renovado o seu papel de nó dos transportes regionais, congregando além dos terminais fluvial e rodoviário, o do Metro de Superfície.