Igreja da Misericórdia

Igreja da Misericórdia

A Misericórdia de Almada foi fundada em 1555, quando esta instituição se encontrava já solidamente implantada em todo o império português. A confraria de Almada, seguindo o exemplo das suas congéneres, obrigava-se a reunir diferentes camadas da sociedade civil, não para benefícios dos seus próprios membros, mas sim procurando auxiliar todos os necessitados, tanto em bens materiais quanto espirituais. A administração era preferencialmente entregue a pessoas ilustres e dela tomaram parte, entre outros, o cronista-mor Francisco de Andrade e o escritor Fernão Mendes Pinto.

A sede da Misericórdia, um pequeno templo de uma só nave, com cobertura de madeira e capela-mor colocada a um nível superior ao do corpo central, foi edificada na década seguinte, entre os anos de 1564 e 1566, seguindo um plano modesto, apoiado quase que exclusivamente num importante retábulo em madeira, com pinturas a óleo sobre tábuas de castanho.

Segundo os relatos, a Misericórdia ficou “tão destruída do terramoto que só ficou tendo serventia uma das paredes”, mas os administradores atuaram rapidamente e, em 1758, as obras já estavam concluídas, optando-se, em boa hora, pela reconstituição do singelo portal maneirista, que fora realizado pelo mestre pedreiro Pedro Gomes, e até mesmo pela recuperação parcial dos azulejos de padrão do século XVII, recolocados no terço inferior das paredes.

Este esforço culminou com o restauro das pinturas e da talha do retábulo que, apesar de algumas modificações, mantém a feição maneirista, com a inversão na ordem dos elementos da arquitetura clássica. As pinturas apresentam os momentos imediatamente anteriores e posteriores ao nascimento de Jesus, e podem ser interpretadas como uma ilustração das diversas formas de aceitação de Cristo. Assim, podemos observar, propositadamente em destaque, no painel central da Misericórdia, a caridade cristã expressa através da Visitação da virgem Maria à Santa Isabel, ladeada na fiada superior, à esquerda, pela homenagem de submissão representada na Adoração dos Reis magos, tema que se repete, à direita, mas agora protagonizado por outra camada social, na Adoração dos Pastores.

Na zona inferior, ao centro, na predela (divisão inferior, na base do retábulo), uma boa composição descreve, num cenário idílico, a bem- aventurança no Repouso da Sagrada Família na Fuga para o Egipto, tendo à esquerda, a fé na revelação presente na Anunciação, e à direita o exemplo de sacrifício na Circuncisão de Jesus. Atribuída pelo historiador Vítor Serrão a um pintor de segundo plano, possivelmente em colaboração com uma boa oficina lisboeta, é a mais importante peça da arte quinhentista de Almada, executada segundo os cânones do maneirismo internacional, de feição italianizante, em perfeita sintonia com as propostas da Contra-reforma (resposta da igreja católica ao movimento reformista, iniciado por Lutero, que viria a dar origem ao protestantismo).

A igreja apresenta no frontão uma cartela com as chagas de Cristo, provavelmente oriunda da Ermida do Espírito Santo e foi encerrada ao culto em 1910, tendo posteriormente funcionado como capela mortuária.
in “Almada e o Tejo”, Centro de Arqueologia de Almada (1999)

D. José de Mascarenhas
2800-119 Almada