Lisnave - Do apogeu à sua decadência

Corria o ano de 1961, quando se iniciou a construção da Lisnave, para utilização do maior empreendimento da indústria naval, em Portugal. Foram seus primeiros accionistas: dois estaleiros portugueses (H. Parry & Son  e Navalis), dois estaleiros holandeses, dois estaleiros suecos e um banco português. O objectivo foi trazer para o país a tecnologia mais avançada para reforçar a experiência na construção e reparação naval acumulada durante séculos. Na verdade, havia o propósito do grande e moderno estaleiro em receber os maiores navios do mundo que alimentavam o tráfego no Atlântico e no Mediterrâneo.

Em janeiro de 1963, foi transferido para a Lisnave o título de concessionária do estaleiro Naval da Administração Geral do Porto de Lisboa e todo o pessoal da Navalis, anterior concessionário,  composto por 2286 trabalhadores entre engenheiros, técnicos e operários. A partir dessa data, a Lisnave iniciou a sua actividade industrial. Simultaneamente, foi extinta a Navalis e a sua posição comprada pela Sociedade Geral, Soponauta, Companhia Nacional de Navegação e Companhia Colonial de Navegação.

A inauguração vai ocorrer em 1967, mas em 1966 já 900 dos seus quase 4.000 trabalhadores se encontravam na Margueira nos trabalhos da construção do estaleiro. Em 1969, a Lisnave lança dois projectos de expansão, em torno da construção de grandes docas secas (Delfim e Cachalote), dos quais criaram cerca de 1.500 novos empregos. Em 23 de Junho de 1971, é inaugurada a maior doca seca do mundo (a doca seca “Alfredo da Silva” ou “doca 13”), pronta para receber navios até um milhão de toneladas. Esta doca colocava o nosso país na primeira linha das grandes potências mundiais no campo da reparação naval. Uma das peças fundamentais para o seu funcionamento foi o gigantesco Pórtico vermelho, com capacidade para içar mais de 300 toneladas que, não só continua a impor-se no horizonte à chegada a Cacilhas, como também, dos 65 metros de altura, é possível descobrir uma panorama inesquecível sobre o rio  Tejo e a cidade de Lisboa.

Desde os meados da década de 1970, o estaleiro começou entrar numa situação difícil, devido a uma série de factores estruturais e conjunturais, como a recessão internacional, o aumento dos preços do petróleo, a redução do volume de crude transportado, a crescente falta de encomendas, a deslocalização da indústria naval para os países asiáticos. Em virtude da impossibilidade de recorrer então à banca, a Lisnave começou a endividar-se junto dos trabalhadores, atrasando o pagamento dos salários. No início da década de 1980, também foi posto em marcha um plano de redução do pessoal que consistiu num esquema de reformas antecipadas. Estas e outras acções permitiram reduzir o pessoal de 10 mil para 6.600 depois de 1978. É a partir deste ano, que a situação se agrava com a segunda crise do petróleo.

A Lisnave possuía em 1970 cerca de 8.500 operários e, em 1983, 6.300. Era a maior concentração operária de Portugal. Durante cerca de três décadas, os operários protagonizaram alguns dos mais importantes conflitos sociais de Portugal.

O estaleiro, que reparou, por exemplo, 149 navios, em 1970, e 89, no ano de 1983, acabou por ser desactivado no último dia do ano de 2000. Muitos e muitos operários, que trabalharam na Lisnave, ainda  recordam, com saudade, a imponente actividade industrial, a proliferação dos sons das gruas e guindastes, os grandes navios à espera de intervenção, os movimentos e as vozes de milhares de trabalhadores. Posteriormente, com novo modelo de operação, assiste-se à mudança da empresa  das instalações da Margueira para a Mitrena, em Setúbal.

Texto de Alexandre Flores