Casa da Cerca

Almada é, pela sua História, pela sua localização, uma terra privilegiada da Margem Sul do Tejo que merece ser (re)visitada. A sua proximidade a Lisboa e as paisagens envolventes na ligação terra – rio – mar dão-lhe características únicas. Desta singularidade, apresentamos, como exemplo,  a Casa da Cerca, um espaço de comunidade, onde a arte e a natureza se cruzam com o Património . Uma Casa com história e  memórias que se perdem na noite dos tempos. Antes da edificação da casa setecentista, terão existido no local anteriores construções, nomeadamente as «casas» de João Lobo, fidalgo da casa real, que serviram de aposento ao Rei D. Filipe I, de Portugal, II de Espanha, em  1581, durante a sua estadia em Almada, antes da sua entrada solene em Lisboa, a 29 de Junho do mesmo ano. Ao longo dos séculos, foi propriedade de várias figuras ligadas à nobreza, ao clero e, sobretudo, à burguesia. Desde os princípios do século XVIII até 1988, compulsamos, por exemplo, membros ligados às famílias de:  Pierre Michel, mercador marselhês; Ricardo Henriques da Maya, cónego; João Allegro Pereira, comerciante e sócio da empresa familiar «Viúva Teotónio Pereira,  (sediada em Santos, Lisboa), com armazéns no Cais do Ginjal; Amélia D`Almeida Campos Pereira, viúva do anterior proprietário; Artur de Andrade e sua esposa Eugénia Allegro Pereira, filha da anterior proprietária; Eugénia Allegro Pereira, viúva de Artur Andrade,  e seu filho, Francisco Maria de Andrade (que virá casar com Maria da Luz Andrade); Pedro Teotónio Pereira, embaixador de Portugal em Londres, casado com Isabel Maria Van-Zeller Palha Teotónio Pereira; Maria Inês de Barahona da Cruz e Silva, solteira maior, e José Paulo Barahona Mira da Cruz e Silva; e, finalmente, a Câmara Municipal de Almada. Da última família, Barahona Cruz e Silva (proprietária entre os anos de 1970 e 1988), propuseram criar, em 1983, um empreendimento turístico na Quinta da Cerca, através de um  projecto da autoria dos arquitectos Fernando Schiapa e José Manuel Pedreirinho, que não se concretizou.

A casa senhorial insere-se na tipologia tradicional das quintas de recreio, tendo sido alvo de várias intervenções ao longo dos séculos, sobretudo após o Terramoto de 1755, e cujas as marcas perduram na linguagem barroca e romântica do edifício. Há, no seu conjunto, uma certa mistura de estilos e de épocas, reveladores do gosto dos seus proprietários. Na verdade, a Casa da Cerca, também conhecida por Palácio da Cerca, revela um modelo clássico da arquitectura civil, dos séculos XVII-XVIII, através de uma planta em U, de fachadas simples e lineares. Inserida num conjunto denominado «Quinta da Cerca», a propriedade abrange uma área murada com cerca de 14.000 m2, composta pelo solar, outrora de habitação, (piso térreo com 12 divisões e piso de andar nobre com 14), com área de 575 m2, (com capela, cisterna e arrecadação), por pátio de entrada com portão em ferro forjado e outros espaços, como: terra de semeadura, pomar, horta, jardins... A capela destaca, entre outros motivos artísticos, os azulejos figurados que são do ciclo oficinal dos Bernardes, por volta dos anos de 1720-25.

Em 1974, após a revolução de 25 de Abril, a Casa chegou a ser ocupada por alguns serviços do Hospital de Almada, que então necessitava de espaço. Em Junho de 1988, a Casa da Cerca, em muito mau estado de conservação, é comprada pela Câmara Municipal de Almada, por cinquenta milhões de escudos (250 mil euros), para ser recuperada e transformada em centro cultural. A Quinta da Cerca, entre Fevereiro de 1991 e Junho de 1993, foi alvo de obras de reparação, comparticipadas pelos fundos comunitários, no âmbito da OID/PS. Assim, no processo de recuperação do edifício, a responsabilidade da execução do projecto de restauro foi atribuído aos arquitectos Vasco Lopes e Victor Lopes dos Santos. A Casa da Cerca abre oficialmente as suas portas, em 1993, como Centro de Arte Contemporânea, segundo o projecto delineado pelo Pintor Rogério Ribeiro, então convidado pela Autarquia, passando a receber artistas e organizando exposições de projecção nacional e internacional. O seu trabalho desenvolve-se em torno de dois núcleos fundamentais: Museu / Exposições e Centro de Documentação e Informação. O núcleo de Exposições inaugura a sua actividade em Novembro daquele ano, com uma exposição de desenhos de Amadeu de Souza-Cardoso. O Centro de Documentação e Informação tem como objectivo dar apoio técnico e teórico às exposições, bem como a estudantes e investigadores no domínio da arte contemporânea. Para além dos núcleos de  Exposições, dedicadas ao desenho e a áreas que tenham esta técnica como base (fotografia, arquitectura, design, pintura, escultura, entre outras) e do Centro de Documentação, a Casa da Cerca oferece ainda um parque de escultura ao ar livre.

Neste equipamento cultural, importa também referir o espaço envolvente, no qual se destaca o designado “Jardim Botânico”, (no lugar da antiga horta da quinta),  organizado em 2001, onde deparamos com o “Chão das Artes”(com 5.600m2 de área), que dá a conhecer a ligação entre a Botânica e as Artes. Nos sugestivos “Pomar das Gomas”, “Jardim das Telas”, “Jardim dos Óleos” ou “Jardim dos Pigmentos”, é possível descobrir árvores, arbustos e flores que são a matéria-prima.

A ligação e inserção das actividades nos eventos culturais do Município e a fruição lúdica do espaço envolvente da Casa da Cerca, são pressupostos em que assenta a mediação privilegiada que se pretende manter com a cidade. É o caso da “Galeria Municipal de Arte”que é também um importante equipamento cultural, dependente  da Casa da Cerca, que tem sabido prosseguir  a sua actividade como espaço de realização de exposições e de outras iniciativas de índole cultural.

Vale a pena visitar a Casa da Cerca, (ver a imagem da foto, da autoria de Maurício Abreu), para conhecer o património histórico desta antiga quinta de recreio, assim como o projecto cultural que tem sido desenvolvido desde 1993, enquanto Centro de Arte Contemporânea, um espaço dedicado às Artes. E, ainda, contemplar o solar,  cujo local continua a ser um magnifico miradouro sobre a cidade de Lisboa.

Alexandre M. Flores - Bibliotecário e Historiador