Ginjal, um cais de memórias

A história do Ginjal perde-se na noite dos tempos… Foi, sem dúvida, um dos principais pontos estratégicos do concelho, de forte actividade industrial e comercial. Desde os princípios da segunda metade do século XIX, o Ginjal era já um importante aglomerado operário e industrial, com estaleiros navais de Hugo Parry;  armazéns de vinhos, vinagres, aguardentes e azeite da Família Teotónio Pereira; oficinas de tanoaria; fábricas de conserva de peixe; empresa de recuperação de estanho; armazéns de isco e frigoríficos para apoio dos navios de pesca alto, o Grémio do Bacalhau; fábrica de cal; fábrica de manipulação de cortiça, entre outros estabelecimentos. Um cais de lenços brancos e até de lágrimas, quando os navios de pesca do bacalhau no Grémio partiam para mares distantes, de águas gélidas.

O Ginjal compreendia toda a extensão da margem sul do Tejo, entre a Estação Fluvial, de embarque de Cacilhas, e os armazéns situados no cais, junto das “escadinhas” que dão acesso ao centro histórico de Almada, pela «Boca do Vento». Era um local muito frequentado pelos alfacinhas, marinheiros portugueses e estrangeiros dos navios fundeados no Tejo, devido aos típicos “retiros” com comes e bebes e onde se cantava o fado. A vida castiça dos clientes que frequentavam as antigas tabernas e os “retiros” do Ginjal foi registada por escritores e jornalistas de Lisboa. Desde os princípios da década de 1910, os “retiros” da “Marraca”, da “Parreirinha” e, em especial do “Retiro Universo”, assim como a famosa “taberna do Corredor”, eram locais procurados pelos alfacinhas. Por exemplo, o antigo “Retiro Universo”, situado junto ao cais que dava acesso pelo Ginjal, ou pela Rua das Terras (atual Rua Carvalho Freirinha), possuía um belo salão onde se exibia um dos melhores animatógrafos desta margem do Tejo, aos sábados e domingos. Atraídos pelo fado e boas caldeiradas e do vinho de “pique” ou de “agulha”, organizavam-se tertúlias que duravam de manhã até às altas horas da noite. A dita “taberna do Corredor”, na qual estabeleceu-se  o Luís dos Galos e a sua mulher, Dª. Emília, também constituía ponto “sagrado” de reunião dos fadistas. O escritor Romeu Correia contava que por ali passaram os mais famosos poetas populares: João Black, Carlos Pitocero, Júlio Janota “O Poço sem Fundo”, Guilherme Coração e outros que tais.

A partir da implantação da República, alguns armazéns foram adaptados a casas de pasto, onde as sua apreciadas caldeiradas, sardinhas assadas, ostras abertas nos fogareiros junto às suas portas, mariscos, faziam a delícia dos forasteiros que, até à década de 1930, ainda utilizavam o grande divertimento local: as burricadas. A noroeste do concorrido «Largo de Cacilhas», as gentes passeavam para a frente e para trás, na estreita passagem entre as casas do Ginjal e a Estação Fluvial, que dá acesso a um cais e, para sul, vivia-se a azáfama das oficinas (com destaque para a SORENA), dos armazéns e dos barcos atracados. Junto à dita passagem, a seguir às décadas de 1940-1960, apenas existiam (exceptuando algumas “casas da restauração” ou restaurantes, como a “Estrela do Ginjal”, o “Gonçalves”, a “Floresta”,…) armazéns e oficinas e, em especial, depósitos de peixe e de vinho. Acerca do “bacalhau”, pode-se ver na imagem, (foto da colecção do Arquivo da Administração do Porto de Lisboa, finais da década de 1950 ou início da década de 1960), a titulo de curiosidade, o edifício moderno sobre a falésia, que era uma fábrica (com reputação nacional) de óleo de fígado de bacalhau. A partir de então, assiste-se a uma evolução modernista de alguns restaurantes que subiram andares, como foi o caso do conhecido restaurante “Floresta”.

Ginjal, um cais de memórias que, outrora, foi um polo de grande desenvolvimento para o país. Mas… olharmos hoje para o Ginjal sentimos algo de abandono e triste. Esperamos que esta zona ribeirinha venha a ser renovada para benefício da comunidade e do turismo local.

 

Alexandre M. Flores

Historiador e Autor